Em tempos de pandemia, nos acostumamos com a classificação dos serviços como essenciais e não essenciais, na busca de parâmetros para se estabelecer a necessidade de continuidade ou paralisação das atividades.
Muito embora a vida moderna já tenha, por si só, atribuído caráter essencial aos serviços de internet, indispensável às atividades mais comuns e rotineiras, sejam elas pessoais ou profissionais, é evidente que na atualidade procurou-se acentuá-lo por meio de dispositivos legais e provimentos judiciais, preocupando-se sobremaneira com a não interrupção do fornecimento.
Isto porque, em cenário no qual a principal recomendação é o isolamento social, especialmente com o cancelamento das aulas presenciais e o fechamento de escolas e universidades, além da migração de vários setores para o trabalho remoto ou home office, observou-se considerável aumento na demanda dos serviços de internet e ainda maior notoriedade na sua indispensabilidade e dependência do consumidor.
Logo, não nos surpreende o fato de que o aumento na demanda veio acompanhado pelo consequente aumento nas reclamações e problemas com a prestação dos serviços contratados.
As falhas na prestação dos serviços contratados pelo consumidor, por sua vez, na medida em que a contratação será regida, em regra, pelas disposições da Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor (CDC), igualmente importará na responsabilidade do fornecedor na forma tratada no mesmo diploma legal.
Importante, nessas circunstâncias, nos atermos à figura do consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, e a do fornecedor como “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”, de acordo com a previsão dos artigos 2° e 3° do Código de Defesa do Consumidor, a fim de nos guiarmos na relação consumerista em si e nos desdobramentos práticos da interrupção dos serviços de internet.
Como dito, a interrupção e a instabilidade na prestação dos serviços de internet tem sido cada dia mais frequentes, de modo que a grande maioria dos consumidores destes serviços facilmente relataria alguma experiência desagradável e que, ao fim, implicou-lhe em algum prejuízo.
Nesse sentido, deve o consumidor saber que, muito embora a obviedade no fato de que ao fornecedor seria vedada a cobrança por serviços não prestados ou prestados de maneira defeituosa, lhe é garantido o direito de ser ressarcido por eventuais valores pagos nessas hipóteses, ou seja, de maneira indevida, ou compensado pelo período em que não receber o serviço.
Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), por meio da Resolução 717/2019, nos casos em que o consumidor for privado dos serviços de internet, ainda que durante a pandemia, “as prestadoras deverão prover automaticamente o ressarcimento aos usuários prejudicados por interrupções dos serviços até o segundo mês subsequente ao evento, respeitando o ciclo de faturamento, de forma proporcional ao tempo interrompido e ao valor correspondente ao plano de serviço contratado pelo usuário, conforme disposto no Manual Operacional” – artigo 32.
Tal ressarcimento, como dito, deverá ocorrer de maneira automática, sem qualquer requisição pelo consumidor. Contudo, no caso de ausência desta conduta pela prestadora, o valor passará a ser considerado como cobrança indevida, hipótese na qual o consumidor terá direito à devolução do valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros de 1% ao mês, de acordo com o artigo 85 do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC).
Resguarda-se ao consumidor, assim, o direito de ressarcimento dos valores já pagos pelos serviços não prestados ou abatimento proporcional no momento do faturamento dos valores devidos, os quais poderão ser buscados ainda pela via administrativa, pelos canais de atendimento da prestadora, e sempre com o cuidado do consumidor em requerer e guardar todos os números de protocolos.
Ainda do ponto de vista material, revela-se cabível ao consumidor, além do ressarcimento e abatimento no próprio valor do serviço, o direito de ver-se ressarcido por outros prejuízos advindos da interrupção ou falha na prestação dos serviços de internet, desde que comprovada a ligação entre estes, como por exemplo lucros que deixou de auferir. O exercício deste direito poderá ser feito de tanto de maneira administrativa quanto judicial.
Por fim, considerando o dito caráter essencial do serviço de internet, que o coloca no mesmo grupo, por exemplo, do fornecimento de energia elétrica e saneamento básico, podemos concluir que a interrupção ou falha na prestação, ainda que verificada a adimplência do consumidor, importará em lesão à dignidade da pessoa humana e, portanto, de acordo com entendimento majoritário do nosso Judiciário, passível da devida indenização. Esta indenização, por sua vez, seria decorrente da ofensa ao patrimônio imaterial do consumidor, ou seja, relativa a dano de ordem moral.